sexta-feira, 21 de maio de 2010

Infância no Acre I

Texto do livro: Aventuras e receitas de Ligia Azevedo.

Era a década de quarenta, e inverno no Acre acontece quando vem o vento gelado dos Andes. Mata bichos, velhos e crianças, e segue seu caminho sem deixar saudades. Fazia muito frio naquela manhã de céu azul. Éramos quatro que, juntos e bem agasalhados, resolvemos andar à toa. Movidos pela curiosidade descemos uma ladeira e chegamos à cacimba de baixo.

Cabeça da turma como sempre, criei uma brincadeira em forma de jogo. Cada um tinha um graveto, fino e compridinho para jogar, de ponta, na água. Quanto mais força usasse, mais fundo iria e mais tempo levaria para voltar à tona. Fui a última no rodízio e, na intenção de ser a campeã, usando toda força atirei o graveto. Fui junto com ele.

Eu rolava, virava, subia e descia, encolhendo a perna o mais que podia porque diziam que no fundo daquele poço morava uma cobra. Foram segundos que pareceram intermináveis minutos em que o medo da morte ficou muito claro. O instinto de salvação, porém, foi mais forte e, raciocinando como um velho sábio, estendi a perna para tocar no fundo do poço e ter base sólida para dar um impulso e subir.

Como um milagre, a água começou a se iluminar. A claridade aumentava, abrindo-se em círculos bem a minha frente. Estendi a mão e agarrei a borda. Senti uma pressão forte no pulso, depois no braço. Visualizei, através daquela transparência dançante, os rostos aflitos daqueles que, com força de gigantes, me içaram. Pude, então, respirar a vida que por pouco teria ficado para trás.

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